domingo, 16 de novembro de 2014

Mudança?

Todos desejam e falam em "mudança". Porém, ninguém sabe como fazê-la. A causa está em vivermos num país politicamente mal estruturado e sob instituições que só supostamente funcionam. Estão, na verdade, emperradas, e qualquer cidadão ou empresa que vivem o cotidiano sabem muito bem disso.

Em considerações expostas no jornal A Folha de S. Paulo de hoje (7 de novembro/14), o brilhante jornalista Hélio Schwartsman põe o dedo na ferida. Nosso principal problema se encontra na ordenação do Estado nacional. Sabe-se que os Estados ou são unitários, federativos ou confederativos.

Nossa Constituição adota a federação, inclusive na denominação do país. Talvez a pior das federações conhecidas. Os recursos financeiros principais são aportados à União e uma parte mínima é transferida aos estados e municípios. Estes são devedores de importâncias impagáveis à unidade central e vivem de pires na mão. Suas competências são residuais ou, no máximo, concorrentes. Competências exclusivas são raras e questionadas. Nosso texto constitucional não trata da essência da federação, ao contrário da longeva constituição americana, que foi debatida com ardor ao longo de cem teses publicadas em "O Federalista", por muitos doutrinadores que se tornaram Presidentes dos Estados Unidos.

Demagogicamente, nossa tão venerada "Constituição Cidadã" começa a falar dos direitos e garantias individuais e depois envereda pelos direitos dos trabalhadores. Entretanto, todo operador do direito de média experiência sabe que é muito diferente a declaração dos direitos e sua efetivação prática. E o desrespeito aos direitos somente declarados no Brasil tem tais proporções que nosso Judiciário está perto do escandaloso número de quase 100 milhões de processos. Metade da população brasileira.

Os Estados duelam em torno de seus apregoados direitos fiscais. O ICMS não é um imposto para dar suporte às finanças públicas, mas um tesouro disputado a ferro e fogo pelas pessoas políticas locais. O STF se encontra assoberbado pela guerra fiscal e outras questões de "lana caprina", que nos fazem lembrar sua origem, as capitanias hereditárias.

O citado jornalista diz que gosta da democracia americana porque ela é orgânica. A nossa é inorgânica. A diferença é a que medeia entre uma e outra é semelhante à  proliferação de amebas e a sociedade dos homens.

Lá, os Estados federados não são "depositários dos resíduos". Suas competências, definidas na Carta, são efetivas. O direito é o direito dos Estados. No Brasil já foi assim. Políticos e jurídicos do passado celebraram a unificação gloriosa. Temos um Código Penal de 1940 que valoriza os ilícitos de modo igual, tanto nos extremos do nordeste e norte como no sudeste e sul. O Código Civil também trata todos, pessoas físicas e jurídicas, sob uma idealista igualdade, quando sabemos que o real brasileiro é o desigual, em todas as regiões. Não só economicamente, mas até mesmo nos hábitos do costume e da cultura. E nossas legisladores, empenhados em sobreviver, voam nas brumas declaratórias de direitos. Poucos povos têm tantos direitos declarados e tão poucos realizados.  O povo sabe que não pode avançar no terreno vizinho, mas ignora os percalços que lhe impõem um complexo direito processual e judiciário para defender-se, caso tenha esse mesmo direito calcado aos pés. Em suma, os direitos nada são sem fórmulas sociais e jurídicas de promovê-los.

Não haverá mudanças sem uma profunda reformulação da forma de Estado brasileiro. Essas grandes temas foram objeto de dedicação de nossos melhores políticos e jurístas no limiar da República. Hoje, falar de coisas profundas e que demandam tempo para serem implementadas contraria a pressa das "mudanças". Ninguém sabe e não saberá quais são as "mudanças"  enquanto não questionarmos nossas principais questões constitucionais, no plano da Política e do Estado.  Sem seriedade no trato da coisa pública e embalado o governo e os políticos em tópicos superficiais, para das respostas imediatas aos cidadãos,  logo se verá que tudo não passará de remendos novos em tecido velho.

* Amadeu Garrido de Paula é advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

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