Arenas da Copa absorveram 1,2% dos
desembolsos do BNDES e 0,9% do orçamento de estados. Por Fernando
Trevisan*.
Em tempos de protestos no Brasil, convém
analisar os investimentos relativos à Copa do Mundo em 2014. Sediar megaeventos
esportivos é recomendável quando o país-sede apresenta pelo menos uma das três
situações seguintes: já há um mínimo de instalações esportivas em quantidade e
qualidade adequadas; é preciso acelerar investimentos em infraestrutura; ou
existe grande potencial não aproveitado quanto ao turismo internacional.
Claramente, o Brasil encaixa-se nos dois últimos contextos. Assim, receber as
competições da Fifa e a Olimpíada de 2016 deve ser encarado a princípio como
positivo, desde que os gastos sejam razoáveis e as oportunidades aproveitadas.
No tocante aos recursos, três quartos dizem
respeito a transporte urbano, aeroportos, portos, telecomunicações, segurança e
turismo, itens de primeira necessidade. Portanto, a análise do custo/benefício
de recebermos a Copa deve voltar-se especificamente aos gastos públicos com os
12 estádios, em cujas obras os municípios, estados e União participam com 90% dos
recursos, por meio de financiamento, isenções fiscais e/ou investimento direto.
Metade do montante realiza-se com empréstimos
do BNDES, com juros subsidiados. Apenas o estádio de Brasília não captou
dinheiro desse banco. Considerando os últimos dois anos, quando ocorreu o
aporte de recursos para as demais 11 arenas, suas obras respondem por apenas
1,2% dos desembolsos totais da instituição, que têm crescido bastante, chegando
a R$ 156 bilhões em 2012. Portanto, se o objetivo é avaliar o modelo de prioridades
de investimento do BNDES, parece ser mais eficiente analisar o que foi
direcionado para outros setores da economia, que absorvem muito mais
empréstimos subsidiados.
Outra forma de utilização de recursos
públicos nas obras dos estádios é pela isenção de pagamentos de tributos. De
acordo com o Tribunal de Contas da União, o governo deixará de arrecadar R$ 461
milhões com essa renúncia fiscal. Sem dúvida, um valor relevante, ainda que
seja relativamente pequeno perto dos R$ 35,9 bilhões de desoneração total de
impostos dos últimos dois anos realizada na economia brasileira. Só o setor
automotivo deixou de pagar R$ 7,9 bilhões em tributos desde 2008, por conta de
políticas de incentivo governamental. O objetivo de ações desse tipo é
estimular determinados setores da economia que sejam grandes geradores de
emprego em momentos específicos de mercado, ou incentivar segmentos
estratégicos para o País. Cabe avaliar o quanto de retorno essa renúncia fiscal
das obras dos estádios gera para a população local e para a geração de empregos
em relação ao que se deixou de arrecadar.
Por fim, nove governos estaduais realizaram
investimentos diretos nas obras dos seus estádios, direcionando recursos do seu
próprio orçamento para essa finalidade, além da prefeitura de Curitiba, que
deverá ser ressarcida pelo Atlético Paranaense, dono do estádio local. Tais
valores, que somam R$ 2,5 bilhões, deveriam ser o foco principal da análise de
custo/benefício de sediar a Copa em 2014, já que em tese estes recursos
estariam livres para ser utilizados em outras áreas, eventualmente mais
prioritárias do que uma instalação esportiva. Comparando com o orçamento
público anual desses estados projetado para 2013, por exemplo, o montante
destinado às arenas equivale a menos de 0,9%, o que, em uma análise geral,
também não parece ser exagerado. Mesmo porque, todos já eram públicos, ou seja,
já pertenciam ao governo, ao qual, a princípio, caberia realizar as melhorias.
Feita essa análise ampla dos gastos com
estádios, o foco deve passar a ser nos pontos específicos. A opção por 12
cidades-sedes foi claramente exagerada. Não é razoável gastar R$ 2,6 bilhões
para reformar estádios em Brasília, Cuiabá, Manaus e Natal, cujos campeonatos
locais não conseguem levar mais do que 900 pessoas por jogo. Menos razoável
ainda é construir uma arena para 70 mil pessoas, a um custo de mais de R$ 19
mil por assento, o mais alto da história das Copas, comprometendo mais de 3% do
seu orçamento público, como foi feito pelo Governo do Distrito Federal. Além
disso, a municipalidade de São Paulo deve ser cobrada sobre até que ponto será
vantajoso construir um novo estádio em vez de reformar um já existente e qual
será o retorno efetivo para a região de Itaquera. Por fim, o valor a ser
recebido anualmente pelo Estado do Rio de Janeiro pela concessão do Maracanã
parece bastante baixo perto do potencial de geração de receita do estádio mais
famoso do mundo.
Ressalvadas essas questões, não há dúvida de
que a ampla renovação dos estádios de futebol é um dos importantes legados da
Copa do Mundo no Brasil. Um dos principais pontos que têm afastado o torcedor
brasileiro dos estádios é a sua qualidade precária, e o efeito estádio novo
pode alavancar novas receitas para os clubes, melhorar a sua capacidade
financeira e o ambiente do futebol como um todo. Não é crime buscar recursos no
BNDES, receber isenções fiscais ou mesmo investimento direto de governos no
setor de infraestrutura esportiva, desde que não sejam relativamente elevados e
que gerem saldo positivo para a economia e sociedade.
O futebol não aliena, nem deve substituir a
atuação cívica. É parte integrante e relevante da cultura e da sociedade
brasileira, e assim deve ser discutido. Movimenta cerca de R$ 36 milhões por
ano, gera milhares de empregos e serve de ocupação e possibilidade de ascensão
social para quase 13 mil jovens que jogam nos 654 clubes do País, segundo dados
da Pluri Consultoria. Analisar os investimentos feitos para a Copa e cobrar o
bom uso desses recursos é uma atitude de cidadão responsável e bastante
propícia ao momento histórico vivenciado pelo Brasil.
*Fernando Trevisan é pesquisador e consultor
da Trevisan Gestão do Esporte e diretor da Trevisan Escola de Negócios.
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