“Todos têm o direito de se reintegrar e mostrar que o erro ficou no
passado”. Essa é a opinião de I.K.M.S., egressa do sistema carcerário da
justiça piauiense, que há um mês recebeu a chance de voltar a trabalhar. Ela e
outros vinte e cinco apenados prestam serviços nas áreas de limpeza e
construção civil do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), parceiro do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no “Projeto Começar de Novo”, voltado à
reinserção social com oportunidades de capacitação profissional e de trabalho
para detentos, egressos, cumpridores de penas alternativas e adolescentes em
conflito com a lei.
Depois de ter sido demitida de uma padaria e de uma churrascaria, por causa do
seu antecedente criminal (condenação por tráfico de drogas), I.K.M.S. disse
que está agradecida pela oportunidade de participar do projeto que
mudou a sua vida. Com 40 anos de idade, ela é mãe de três filhos. Dois deles
trabalham e são estudantes universitários, cursam Direito e Serviço Social, e a
filha mais nova, de três anos e cinco meses, nasceu na prisão. A criança chegou
a ser levada para um abrigo, mas recentemente voltou ao convívio familiar.
A egressa afirmou que a ambição e o interesse em ter vida fácil fizeram com
que ela passasse por toda essa situação, gerada também pelas dificuldades
surgidas com a separação do marido. “Bati em muitas portas, mas fui resgatada
por este projeto”, lembrou. Apesar de tudo, ela salienta que a experiência
ruim, ao contrário do que muitos poderiam imaginar, foi positiva. “Mudei meus
conceitos e valores. Foi um despertar, e o meio, graças à Deus, não me
influenciou”.
I.K.M.S. disse que está aproveitando a oportunidade e tem se sentido
cada vez mais reintegrada na sociedade. “Agora, eu tenho um referencial e, para
mim, não é humilhante varrer o estacionamento do TJ, por exemplo”, ressaltou.
“É necessário batalhar para conseguir tudo e acho que estou no caminho certo”,
completou. O próximo passo, afirmou, é fazer um curso de segurança do
trabalho. “Essa área está se expandindo aqui no Piauí”, contou.
“Hoje eu sou uma mulher livre. Paguei tudo o que eu devia para a Justiça e
para a sociedade”, comemorou, ao avaliar que a chance existe para todos, mas a
iniciativa é de cada um. “Não percam a dignidade”, recomendou aos que vivem a
mesma situação que ela enfrentou.
Para o coordenador nacional do programa “Começar de Novo”, juiz auxiliar da
Presidência do CNJ Luciano Losekann, o programa de contratação de egressos pelo
TJPI é essencial para toda a população. “Sem ele, dificilmente se consegue a
integração ou reintegração social do preso”, avaliou Losekann. Segundo ele, a
participação da sociedade e dos seus setores, seja pelo poder público ou pela
iniciativa privada, é imprescindível para a realização do projeto.
Reinserção - A Lei piauiense nº 6.344, de 12 de março de
2013, estabelece que 5% das vagas em contratos e editais de obras e serviços
firmados pela administração pública devem ser destinadas a egressos do sistema
carcerário. “Essa é uma forma de combater a reincidência e contribuir para a
reinserção dos apenados na sociedade, reduzindo a violência e a criminalidade”,
disse José Vidal de Freitas, juiz titular da 2ª Vara Criminal de Teresina (PI),
a quem compete as execuções penais na comarca da capital. Ele lembrou que desde
2009, quando teve início o Projeto Começar de Novo, 21 apenados que cumprem
pena em regime semiaberto foram contratados, voluntariamente, por cinco
empresas que prestam serviços ao Tribunal, na área da construção civil, com
base em um acordo de cooperação firmado com o sindicato dos proprietários de
empresas.
O titular da 2ª Vara Criminal salientou que os contratos com os presos são
realizados por tempo indeterminado e com todos os direitos trabalhistas
previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo ele, o
Projeto Começar de Novo apresenta muitas vantagens, uma delas é que o egresso
não precisa apresentar a certidão negativa para começar a trabalhar, exigência
que sempre dificulta o retorno ao mercado de trabalho.
“A partir desse programa, há uma soma de iniciativas positivas, o que é
excelente para a sociedade”, avaliou o juiz. Ele informou que o Tribunal de
Justiça do Piauí tem a intenção de ampliar a lei estadual envolvendo no projeto
não apenas egressos, mas também aqueles que ainda estão cumprindo pena. “É
preciso acabar com o preconceito”, concluiu.
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