associar direção ao uso de substâncias ilícitas é considerado um problema de saúde pública
Independentemente
da rotina de consumo e da natureza da substância, o uso de drogas –
também denominadas substâncias psicoativas – altera o comportamento do
usuário, cujas funções básicas se revelam cada vez mais debilitadas.
Quando transportado para as estradas, o cenário ganha contornos ainda
mais perigosos e passa a ser sinônimo de ameaça constante à segurança
viária. Embora a Lei nº 13.103 autorize períodos de trabalho mais extensos, a Operação Jornada Legal, realizada
pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Mato Grosso do Sul, indica
que as condições precárias de trabalho dos motoristas profissionais,
especialmente no que se refere às longas jornadas, favorecem a
estatística que aponta que um em cada três caminhoneiros pode estar sob
efeito de drogas como crack, cocaína e rebite – espécie de remédio à
base de anfetaminas. A Perkons ouviu especialistas para explicar as
causas e efeitos da relação entre drogas e direção.
Conforme explica o chefe
do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação
Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Alves
Junior, garantir a direção segura pressupõe a estabilidade de três
funções: a motora, a cognitiva e a sensório-perceptiva. A primeira delas
controla o tempo de resposta do indivíduo; a segunda envolve mecanismos
de percepção e concentração; a terceira, por fim, resulta da combinação
entre tato, visão e audição. “De maneira geral, ao acelerar ou retardar
os reflexos, as drogas comprometem todas essas condições e
potencializam os riscos de acidentes de trânsito”, associa.
A
atuação de cada droga no organismo varia conforme sua composição e as
predisposições do usuário. “Além de criar dependência, o crack causa
danos no sistema nervoso central, degenerando as funções cerebrais de
modo muito agressivo”, exemplifica o especialista. Como resultado, a
pessoa sob efeito dessa droga tende a apresentar sinais de paranoia,
irritabilidade, perda de atenção, comportamento acelerado e
sensibilidade à luz. O excesso de confiança, decorrente do consumo da
substância, reforça ainda o desrespeito as normas básicas de segurança
no trânsito, como falta de distanciamento entre veículos e de
sinalização para manobras. O humor também sofre intensas interferências,
revelando sujeitos por vezes ansiosos e agressivos.
Comuns
nas estradas e de difícil detecção, o rebite, a cocaína e o próprio
álcool, funcionam, de acordo com Alves Junior, principalmente como
artifício para afastar o sono durante as jornadas de trabalho muitas
vezes exaustivas. “A estimativa quanto ao percentual de motoristas que
apelam a este método é imprecisa, pois dificilmente o indivíduo admite
estar sob efeito de drogas ilícitas ou mesmo álcool, devido à Lei Seca.
Ainda assim, é possível que cerca de 54% dos motoristas, em sua maior
parcela entre 30 e 50 anos, já tenha recorrido a substâncias ilícitas
para driblar o sono”, ressalva.
Os
reflexos diretos na direção tornam as condições de trabalho dos
condutores um problema de saúde pública, cuja discussão se mostra cada
vez mais urgente. Para a psicóloga perita examinadora da Delegacia
Regional de Tubarão, Carla Giovana Dagostin, abordar o assunto é
ferramenta de conscientização para uma questão que afeta a segurança de
todos os motoristas de forma sistêmica. “Discutir essa problemática, que
abrange consequências sociais, econômicas e de segurança viária, tem
dado visibilidade social ao drama particular dos motoristas que
transportam cargas por longos trechos, com jornadas de trabalho
extenuantes e expedientes de risco”, pontua.
Fiscalização é ponto chave para combater uso de drogas nas estradas
Segundo
o inspetor Maciel Jr, responsável pelo núcleo de comunicação da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) de São Paulo, olhar fixo e desorientação podem
caracterizar uma ocorrência deste teor. Identificar sinais como esses,
entretanto, serve apenas de respaldo inicial para análises técnicas e
aprofundadas.
“Diante
da suspeita de uso de drogas, constatada se possível através de vídeos e
testemunhas, o policial conduz o motorista até uma Delegacia de
Polícia, que poderá encaminhá-lo ao Instituto Médico Legal (IML) para
realização de teste de sangue se julgar necessário. Só a partir do
resultado positivo é que se pode dar continuidade à ocorrência”,
detalha. Mesmo com este procedimento já padronizado, o inspetor ressalta
que a fiscalização ainda consiste em um processo pouco eficiente por
conta da falta de aparelhos que detectem, de imediato, o uso das
substâncias.
Conforme
explica o Chefe do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da
Abramet, além do exame sanguíneo, um método que confere ainda mais
praticidade aos fiscais é a coleta de saliva, por meio da qual é
possível identificar, instantaneamente, a presença ou ausência de drogas
no organismo. Apesar disso, a carência de resultados tangíveis
relacionados à dosagem das substâncias é um aspecto que precisa ser
melhorado. “Temos levantado estudos para que seja viabilizada a
fiscalização que combina análise qualitativa e quantitativa e para que
encontremos equipamentos adequados, similares ao bafômetro, por
exemplo”, assegura Dirceu.
Além
de estender o risco a terceiros, associar drogas e direção prevê ao
condutor aplicação de multa gravíssima, de R$1.915,40, sete pontos na
Carteira Nacional de Habilitação (CNH), suspensão do direito de dirigir
por 12 meses e recolhimento da carteira no período, segundo Artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Em caso de reincidência em um período de até 12 meses, o valor da multa dobra . Há, ainda, conforme Artigo 306 do CTB, previsão de crime, que pode resultar em multa, suspensão, proibição de se obter a CNH e detenção de 6 meses a 3 anos.
Foto: shutterstock.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário