domingo, 1 de fevereiro de 2015

José Cutrale é revelado como bilionário

O forte cheiro da fábrica de suco de laranja de José Luís Cutrale impregna o ar de Araraquara.
Para os visitantes que realizam a viagem de 280 quilômetros de São Paulo até a região noroeste do estado, o aroma é um alívio bem-vindo ao fedor que normalmente emana do rio Tietê sufocado pelo esgoto, na capital.
Para os moradores locais, a fábrica da Sucocítrico Cutrale Ltda faz lembrar de casa.
“Eu nem gosto do sabor da laranja, mas eu adoro o cheio da Cutrale”, disse Andrea Savia, assessora de um vereador de Araraquara. Retornando recentemente após um ano fora, Savia se desfez em lágrimas quando sentiu o primeiro aroma do subproduto acre da empresa.
A Sucocítrico Cutrale cresceu sob o comando do CEO da Cutrale, segundo os registros de suas operações internacionais.
A empresa de capital fechado desafiou a queda da demanda internacional pelo suco de laranja, uma década de flagelo causado por doenças nos cultivos e acusações de que a Cutrale lidera um cartel de exportadores de laranja.
Cutrale, 68, está à frente de um império das frutas que está na terceira geração e foi iniciado com os laranjais de sua família e se tornou o maior fornecedor da fruta para a Minute Maid.
Ele é, também, acionista da distribuidora brasileira da Coca-Cola, a Spaal, e tem participações em imóveis comerciais, em firmas de comércio de commodities e em uma operadora de aeronaves com sede nos EUA.
Sua fortuna, avaliada em US$ 2,6 bilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index, faz dele a 26ª pessoa mais rica do Brasil. Ele não aparece em nenhum ranking internacional de riqueza e preferiu não comentar essa reportagem.
Aposta em bananas
As vendas cresceram na Sucocítrico Cutrale em um momento em que a produção de laranjas da Flórida se dirige para o menor patamar dos últimos 25 anos.
O consumo mundial de suco de laranja nos 40 principais mercados teve um declínio de 11 por cento na última década, com a demanda nos EUA caindo 27 por cento, segundo dados da Associação Nacional de Exportadores de Sucos Cítricos do Brasil.
Para diversificar, Cutrale começou a cultivar soja para exportar para a Ásia e uniu-se ao bilionário brasileiro do setor bancário Joseph Safra para a aquisição, por US$ 1,3 bilhão, da Chiquita Brands International Inc., com sede em Charlotte, Carolina do Norte, EUA, concluída em janeiro.
Na oferta pela Chiquita, Cutrale revelou que o império de sua família controla mais de 33 por cento do setor mundial de suco de laranja, avaliado em US$ 5 bilhões.
Os abacaxis, chips de frutas e produtos para saladas da Chiquita reduziram a exposição da Cutrale às laranjas, enquanto a água saborizada e o café em porções individuais diminuiram a demanda por suco de laranja, disse Brett Hundley, analista da BB&T Capital Markets, que ofereceu serviços de investment banking à Chiquita.
"Estratégia bem-aventurada"
“A diversificação, quando bem feita, é uma estratégia consagrada”, disse Marcos Fava Neves, professor de Estratégia da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo.
“O mercado de suco de laranja é declinante no mundo. Então, a Cutrale manter a liderança no suco, mas cuidar também de soja e de frutas, é um bom caminho se a empresa deseja continuar crescendo”.
A Sucocítrico Cutrale, que tem sede em Araraquara, não publica seus resultados financeiros. Segundo relatórios anuais apresentados pela Burlingtown LLP, com sede em Londres, uma holding do Reino Unido que supervisiona as operações da Cutrale fora do Brasil, o faturamente anual dobrou para US$ 1,3 bilhão entre 2007 e 2013.
A holding tem 10 subsidiárias espalhadas por EUA, Reino Unido, Países Baixos e Portugal, com participações na Grove2Glass Trading GmbH, com sede em Zurique, na Nippon Juice Terminal KK, no Japão, e na General Avileasing Inc., que tem sede em Orlando, EUA, e é dona dos jatos da empresa. A companhia lista a esposa de Cutrale, Rosana, e seus filhos José Enrique, José Luís Júnior e Graziela como diretores.
Minute Maid
O negócio da família no ramo de frutas foi iniciado pelo avô do bilionário, Giuseppe Cutrale, um imigrante italiano que vendia laranjas no Mercado Municipal de São Paulo, segundo Eliseu Nonino, um amigo da família e ex-diretor da empresa.
O Cutrale mais velho adquiriu um laranjal no estado de São Paulo e começou a exportar a fruta para a Europa e para países de língua árabe em 1956. Seu filho, José Cutrale Jr., comprou uma fábrica de suco em 1967 e mudou o nome da firma para Sucocítrico Cutrale.
Ele adquiriu cinco complexos industriais no estado de São Paulo e duas antigas fábricas da Minute Maid na Flórida.
“José era um empreendedor com uma grande visão”, disse Nonino, em entrevista por telefone, de Araraquara.
A empresa que José Luís Cutrale administra atualmente não se parece em nada com os negócios de seu avô no ramo das laranjas.
Os funcionários da Cutrale utilizam imagens de satélite dos laranjais brasileiros para garantir que a fruta seja colhida na hora certa. Um sistema de dutos envia suco dos silos da Cutrale em Auburndale, Flórida, EUA, para uma fábrica de engarrafamento da Coca-Cola. Técnicos de blend controlam os níveis de acidez acompanhando algoritmos conhecidos internamente como “o Livro Negro”.
Alcance global
Os executivos da Cutrale chegam e saem de helicóptero de Araraquara usando um heliporto no alto de um arranha-céu perto da fábrica, que produz concentrado de laranja durante toda a noite. Eles moram em casas construídas pela empresa em uma clareira com forma de coração protegida por segurança armada.
No complexo, uma piscina e uma quadra de tênis são rodeadas pelos laranjais.
O alcance da Cutrale se estende por toda a cadeia global de abastecimento, englobando desde os cerca de 160.000 hectares de laranjais no Brasil até uma frota de navios que transporta suas commodities para pelo menos três continentes.
Os caminhões da Cutrale com o logotipo de uma fatia de laranja gotejando podem ser vistos nas rodovias de São Paulo transportando suco para Santos, maior porto da América Latina, onde a empresa arrenda um terminal de uso exclusivo.
Cutrale investiu em uma empresa de comércio de commodities, assim como em plantações de soja perto da Amazônia brasileira, para atender a demanda da Ásia, em 2012. As exportações de soja de Araraquara se multiplicaram por quatro em 2013, para US$ 777 milhões, mas colapsaram no ano passado.
Queda na Flórida
Os dados de comércio do Brasil mostram que as exportações da Cutrale aumentaram 62 por cento em 2013, para US$ 1,7 bilhão, em relação a um ano antes, e alcançaram pelo menos US$ 1,4 bilhão em 2014.
A Coca-Cola e a Cutrale compram cerca de 30 por cento de todas as laranjas cultivadas na Flórida.
O Departamento de Agricultura dos EUA estima que a Flórida produziu 125 milhões de caixas de laranja no ano-safra 2013-2014, cerca de metade do pico do final dos anos 1990, de 244 milhões de caixas.
A Conab, do Brasil, disse que a produção nos estados de São Paulo e Minas Gerais permaneceu estável ao longo dos últimos 15 anos, em cerca de 340 milhões de caixas.
O Brasil estava mais preparado que a Flórida para o greening, uma doença bacteriana transmitida por insetos descoberta em laranjais do estado em 2005, porque havia instalado sistemas após os surtos de uma bactéria conhecida como antracnose, disse Juliano Ayres, diretor da Fundecitrus, fundada pela Cutrale, em Araraquara, que divulga alertas quando as doenças se espalham.
Análise, acusações
A ascensão de Cutrale no ramo das laranjas atraiu oposição. Nos anos 1980, ele estava entre os produtores brasileiros acusados pelo Departamento de Comércio dos EUA de vender suco nos EUA a preços considerados muito baixos pelos produtores da Flórida, embora tenha conseguido que as medidas anti-dumping dos EUA fossem removidas em um caso na Organização Mundial do Comércio encerrado em 2013.
A associação de produtores de cítricos do Brasil acusou a Cutrale, a Citrosuco e uma unidade da Louis Dreyfus de formarem um cartel para manter os preços das laranjas que compravam artificialmente baixos desde os anos 1990.
As empresas fabricantes de suco negaram a acusação por décadas e a decisão das autoridades antitruste está pendente.
“A Cutrale manipula o mercado e cria uma barreira para a entrada da concorrência”, disse Flávio Viegas, presidente da associação, que foi fornecedor da Cutrale durante mais de quatro anos a partir de 2004.
Dino Tofini, um ex-fabricante de suco que morreu em 2013, disse a legisladores do estado de São Paulo em uma audiência em 2010 que era forçado a participar de reuniões semanais de fixação de preços orquestradas pela Cutrale.
A polícia reuniu 30 sacos de documentos e computadores de exportadores de laranjas em uma operação realizada em 2006 conhecida como “Fanta”.
Práticas trabalhistas
O conjunto de bens, que incluía uma submetralhadora Uzi apreendida no escritório de um diretor da Cutrale, segundo o jornal Folha de S. Paulo, ficou bloqueado durante quatro anos até os investigadores terem acesso, pois os exportadores diziam que a evidência havia sido obtida ilegalmente.
Empresas envolvidas em cartéis podem receber multas de até 20 por cento do faturamento bruto anual.
A Cutrale nega qualquer irregularidade e disse em um e-mail que está cooperando com os investigadores. A empresa disse que criou 20.000 empregos globalmente e que “contribui positivamente” com suas comunidades, citando doações de robôs para um hospital local e porções diárias de suco de laranja servidas a 2.000 crianças em idade escolar.
O bilionário também enfrentou investigações a respeito das práticas trabalhistas de sua empresa. Procuradores no estado de São Paulo dizem que investigaram as práticas trabalhistas da Cutrale 286 vezes na última década, contra 50 vezes na Citrosuco e 71 na Louis Dreyfus. Algumas investigações resultaram em ações judiciais e outras, em acordos.
Doações políticas
Em março de 2014, um tribunal ordenou que a Cutrale e outras duas empresas pagassem R$ 113 milhões (US$ 43 milhões) e deixassem de subcontratar colhedores de laranjas irregularmente. A Cutrale negou qualquer irregularidade e preferiu não comentar casos ativos.
Os políticos cobiçam o apoio de Cutrale, apesar das acusações.
Empresas do bilionário doaram R$ 21 milhões na eleição do ano passado, incluindo R$ 6 milhões para a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff e 9,8 milhões para membros do PSDB, partido de oposição no âmbito federal que governa o estado de São Paulo.
Em “Entreatos”, um documentário dirigido pelo colega bilionário João Moreira Salles a respeito da campanha de 2002 de Luiz Inácio Lula da Silva, o futuro presidente pede que um assessor escreva uma declaração de apoio e que Cutrale a leia na TV.
“Ontem jantei com Cutrale”, disse Lula a um aliado de campanha no filme. “Eu falei: Escuta aqui, você é muito meu amigo, é a terceira vez que a gente se encontra. E o apoio? Quando é que você vai declarar o apoio? Ele falou: Precisa? Eu falei: Precisa. Eu quero que você diga ‘olha, eu sou um grande exportador, o maior exportador individual deste país”.

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